Uma casa em Athlone
Seis famílias sem teto dividem casarão histórico em área que Fifa
construiu um estacionamento para torcedores da Copa –
Rodolfo Tiengo
Direto da Cidade do Cabo
Estamos em Athlone, um humilde subúrbio da Cidade do Cabo habitado por
negros e muçulmanos. Não muito longe daqui, estão áreas de alto
consumo e visitação como Claremont e Cavendish Mall, na Main Road (a
principal via expressa da cidade). Aqui está localizado o Athlone
Stadium, que será utilizado pela Fifa para a realização de treinos
oficiais na cidade.
Enquanto os homens trabalham incessantemente para concluir a área de
estacionamento nos arredores do estádio, colocando muita pedra e
piche, um impasse permanece. Logo ao lado, uma antiga construção, que
décadas atrás serviu até de escritório de guerra, tornou-se um abrigo
improvisado, mas quase definitivo, para 24 pessoas desabrigadas que
dividem entre si seis apertados cômodos há uma década. Acontece que a
construção está no meio dos planos do governo sul-africano e dos
organizadores da Copa, porque está localizado dentro de uma área que
também serviria de estacionamento para os carros dos torcedores. O
governo, no entanto, nega que esteja tentando remover pobres de suas
residências em importantes destinos da Copa, como Athlone.
NÃO ACABOU - Trabalhadores colocam piche em área de estacionamento do Athlone Stadium. FOTO: Marcos Limonti
OBRA FARAÔNICA - Vista geral do Estádio Athlone, no subúrbio de mesmo nome da praça esportiva, na Cidade do Cabo. No local já foram gastos cerca de R$ 23,7 milhões em reformas. FOTO: Marcos Limonti
A reportagem conversou com uma das famílias que vivem no local, que
informou ter sido pressionada a sair dali. “Meu sentimento a respeito
da Fifa… Eu não estou muito contente com eles, porque eles querem
retirar eu e minha família daqui. Como eles podem convidar pessoas a
saírem de seus lares quando elas não têm lugar algum para ir?”,
relatou Alwryn Abrahams, 40 anos, que há nove anos divide um dos
cômodos da antiga casa com a mulher Cindy, 29, e seus filhos Chad, 8,
e Zea, de apenas cinco meses.
Não se pode dizer que as condições de moradia são piores do que uma
shack – típica residência encontrada em uma township –, mas as
limitações são muitas. Pra começar, nada de eletricidade. Se quiserem
ver televisão, os moradores têm a única opção de obter energia de uma
bateria de carro. Se quiserem luz, o único jeito é acender velas que
ficam coladas em garrafas de vinho. Se quiserem se esquentar do frio,
vão do lado de fora da casa e ficam próximos da fogueira que sempre
armam quando chega o inverno – assim como já tinha feito Alwryn,
quando a reportagem chegou em Athlone.
“Vim pra cá porque não tinha para onde ir”, explica o sul-africano,
que atualmente está desempregado e ainda se lembra de quando ganhava 3
mil randes por mês com seu trabalho no setor de construção. Quem por
enquanto sustenta a casa é a mulher, que recebe um auxílio do governo
de aproximadamente 500 randes – o que está na faixa de R$ 125.
Com um explícito ódio pelo governo do país, que se reflete na aversão
aos Bafana Bafana e no apoio ao Brasil, Alwryn garante que vai ficar
ali por toda a Copa, mesmo que tentem escondê-los com um muro ou
tentem removê-los para outra região. “Este é um estacionamento para os
jornalistas de outros continentes verem”, afirma, complementando que a
área onde está sua casa acrescentaria poucas vagas para carros ao
estacionamento. “A questão não está concluída ainda. Eles vão tentar
nos colocar em outro lugar na vizinhança para nos esconder dos
jornalistas”.
Há quase duas décadas, o Athlone Stadium está em reformas. Desde
1997, a direção do tradicional estádio vem liderando construções de
alas, modernizações internas e conforto para se internacionalizar.
Desde então, já foram investidos 99,36 milhões de randes, que incluem
as três alas de arquibancadas que foram construídas, segundo o
supervisor de operações do estádio, Bernard Miller. Somente desde
2007, foram mais de 18 milhões.
O lugar é de causar inveja a bons estádios brasileiros. Moderno centro
de convenções, elevadores que sobem e descem por cinco andares
diferentes, área vip para acompanhar os treinos, isso sem contar o
gramado novo e os novos e enumerados bancos das arquibancadas – o
único detalhe que pesou contra foram os bancos sujos pelos pássaros.
Por enquanto, somente a seleção da Holanda confirmou que irá treinar
por lá no dia 22 de junho – no dia 24 o time enfrenta Camarões pelo
grupo E da Copa.
A direção do Athlone Stadium ainda disse que atualmente o local tem
capacidade para mais de 24 mil pessoas sentadas, mas que provavelmente
durante os treinos da Copa as entradas não passarão de cinco mil. A
entrada – informou Miller – será gratuita, mas controlada pela
portaria.
por:
http://comercionacopa.wordpress.com/
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